Empreender com PHDA (Entrevista com Luísa Cabral)

Na NeuroImprove, esforçamo-nos por partilhar conhecimento sobre a PHDA, as suas consequências e estratégias de gestão. No entanto, nada se compara à riqueza de um relato pessoal como o de Luísa, que reflete os desafios e as vitórias diárias de quem vive e empreende com esta complexa condição.

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<h2 id="luisacabral">Quem é Luísa Cabral?</h2>

Luísa Cabral, fundadora da Alanja Handmade, partilha a sua experiência de vida com PHDA (Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção) e o impacto de um diagnóstico tardio. 

Apaixonada por atividades manuais, encontrou no crochet e nos amigurumis uma forma de se expressar e construir o seu próprio negócio. 

Hoje, Luísa não só inspira a comunidade artesanal, como também busca promover uma maior sensibilização sobre a PHDA em Portugal.

<h2 id="percurso">Percurso Profissional e Início no Artesanato</h2>

🧠 NeuroImprove: Para começar, Luísa, pode contar-nos um pouco sobre a sua história e o seu percurso até aqui?

🧶 Luísa: Completei a licenciatura em Audiovisual e Multimédia em Lisboa. Sempre fui uma aluna mediana – nunca tive negativas, mas também não era a melhor da turma. Cresci num ambiente em que o desempenho académico era visto como essencial, o que gerava uma grande pressão. No entanto, sentia que tinha de me esforçar o dobro ou triplo dos outros, e mesmo assim acabava no meio da tabela.

Quando terminei a licenciatura, encontrei um mercado de trabalho desolador. Nessa altura, eu e o meu companheiro decidimos abrir uma produtora de vídeo, a Shortfuse. Não foi fácil. O que acabou por funcionar foi a combinação do meu lado impulsivo com a organização dele. Costumamos brincar que eu sou o caos que ele precisa, e ele é a calma que eu preciso. 

Os trabalhos manuais sempre fizeram parte da minha vida. Como muitas pessoas com PHDA, tive muitos hobbies: ponto cruz, bordado, pintura com acrílico, crochet, tricot, missangas, barro, costura... Mas o crochet sempre teve um lugar especial para mim – quando tinha 7 anos, a minha avó ensinou-me. 

Eu não parava quieta, e tanto a minha mãe como a minha avó, ao perceberem que isto me ajudava a focar, sempre me incentivaram a continuar (o crochet).

Mais tarde, na escola, fazer crochet não era algo 'fixe', então fazia-o um pouco às escondidas. Só na faculdade voltei, aprendi técnicas mais avançadas na internet e fiz os meus primeiros amigurumis.

Quando a pandemia começou, senti muita ansiedade e incerteza, e voltei a fazer mais amigurumis como uma forma de relaxar e passar o tempo em casa. Passava horas a tentar melhorar. Com o incentivo do meu marido e amigos, criei a página Alanja Handmade, onde comecei a partilhar as minhas criações e a conectar-me com a comunidade de crochet. 

A minha mente estava completamente focada neste interesse, e tive dificuldade em concentrar-me no trabalho. Percebi que talvez o melhor caminho fosse seguir o meu interesse pelo crochet e transformá-lo num negócio. Assim, desde janeiro de 2023, dedico-me a tempo inteiro à Alanja.

Hoje, além de criar os meus próprios modelos e vender tutoriais, trabalho com algumas marcas, já dei aulas a crianças, fiz workshops, participei em feiras de artesanato, e também faço consultoria e criação de conteúdos. É um desafio, porque preciso gerir várias fontes de rendimento ao mesmo tempo. Mas, para um cérebro que sempre quer coisas novas e diferentes, acho que não podia ter escolhido melhor trabalho!

<h2 id="diagnostico">O Diagnóstico de PHDA na Vida Adulta</h2>

🧠 NeuroImprove: Como foi receber o diagnóstico de PHDA já na vida adulta?

🧶 Luísa: O processo foi muito solitário para mim. Na primária, a professora já achava que havia algo de errado comigo. Eu não conseguia ficar quieta na cadeira, não prestava atenção nas aulas, levantava-me para ir sentar ao colo da professora, enfim... 

A minha mãe chegou a levar-me para fazer testes psicológicos, mas nos anos 90 não se sabia tanto. Disseram-lhe que eu era hiperativa e aconselharam-na a colocar-me em desportos (que nunca me agradaram muito) e em atividades manuais. Mais tarde, a minha mãe confessou-me que, na escola primária, pediram autorização para prenderem a minha mesa e cadeira ao chão, para que eu não distraísse os outros alunos.

A distração, a falta de noção do tempo, a desorganização e a procrastinação sempre fizeram parte da minha vida. Mas eu achava que era um problema da minha personalidade, que eu estava sempre a falhar, e que nunca seria boa o suficiente.

Em 2018, com o nascimento da minha filha, vivi um dos momentos mais felizes da minha vida, mas também um dos mais difíceis. Tive depressão pós-parto, e a privação de sono afetou-me tanto que parecia um zombie. Estava completamente apática.

Em 2020, durante o confinamento, comecei a piorar, sentindo-me cada vez mais afundada. Foi nessa altura que comecei a terapia. Melhorei muito, mas ao fim de 2 anos ainda sentia que havia algo por descobrir. Comecei a interessar-me por saúde mental e entrei em hiperfoco, pesquisando tudo sobre doenças mentais. Foi então que me deparei com vídeos nas redes sociais sobre PHDA, e identifiquei-me com as experiências de outras pessoas. No entanto, tinha vergonha de dizer a um médico: ‘Acho que tenho isto porque vi uns vídeos’. Então procurei todo o conteúdo científico, e as coisas faziam cada vez mais sentido.

Ganhei coragem e disse ao meu psicólogo que achava que tinha PHDA. Embora ele não estivesse familiarizado com o tema, pesquisou sobre o assunto, fez-me testes e encaminhou-me para um psiquiatra. Acho que o facto de eu parecer 'funcional' aos olhos da sociedade – ter uma licenciatura, uma empresa, uma filha, uma relação estável – mascarava o sofrimento e o esforço que eu fazia para ser como os outros.

Quando o psiquiatra confirmou o diagnóstico, foi uma validação do que eu sentia. Lembro-me que, ao tomar a medicação pela primeira vez, estava em casa com a minha filha e comecei a chorar... Parecia que, pela primeira vez, eu conseguia realmente ouvir o que ela me estava a dizer. Esse momento foi transformador para mim. 

Perceber que eu não era uma má pessoa ou uma má mãe, mas que o meu cérebro simplesmente não funcionava como o dos outros. E está tudo bem com isso!

<h2 id="desafios">Desafios da PHDA e Organização</h2>

🧠 NeuroImprove: Quais são as principais dificuldades que enfrenta no dia a dia devido à PHDA?

🧶 Luísa: A minha maior dificuldade é manter-me organizada e lidar com tantas coisas ao mesmo tempo. Além disso, os meus pensamentos muitas vezes são mais rápidos do que a minha fala. Isso fazia-me sentir uma desconexão entre o que eu dizia e o que estava a pensar. Hoje, com a medicação, isso já não acontece tanto, mas antes eu achava que tinha dito algo numa conversa, quando na verdade só tinha pensado e não cheguei a comunicar ao outro.

🧠 NeuroImprove: Que estratégias ou ferramentas utiliza atualmente para gerir o seu negócio e manter a vida pessoal organizada?

🧶 Luísa: Um dos meus maiores desafios é, sem dúvida, a organização. Ainda sinto que não tenho todas as estratégias que preciso para 'funcionar' como gostaria. Mas deixo aqui algumas das que uso:

  • Eu anoto TUDO no meu calendário, desde um café com amigos até aniversários e compromissos de trabalho.
  • Instalei uma app (Toggl Track) em que ativo o cronómetro e registo as tarefas que estou a fazer. Assim, quando precisar de repetir algo parecido, posso consultar o tempo que aquela tarefa levou e ter uma noção mais precisa do tempo.
  • Uma das coisas mais difíceis foi tomar a medicação certinha todos os dias. Comprei uma caixinha de comprimidos com os dias da semana, e agora ela vive ao lado da máquina de café. Assim, sempre que vou tirar o meu café, ver a caixa lembra-me automaticamente de tomar os comprimidos.
  • Todos os pagamentos mensais que eu tiver de fazer estão agendados para pagamento automático. De outra forma, eu nunca me lembraria de os fazer!
  • Quando planeio a minha semana, tento sempre deixar um dia livre, sem compromissos agendados. Assim, se estiver a procrastinar em alguma tarefa ou se não conseguir ser tão produtiva como gostaria, tenho esse tempo extra planeado. 
  • Comprei um smartwatch que me mostra apenas as notificações essenciais do telemóvel, assim consigo olhar rapidamente e decidir se é algo importante o suficiente para interromper o que estou a fazer.

<h2 id="impacto">Impacto das Atividades Manuais na Saúde Mental</h2>

🧠 NeuroImprove: O seu negócio é centrado em atividades manuais como crochet e amigurumi. Como é que essas atividades ajudaram a melhorar a sua saúde mental?

🧶 Luísa: As atividades manuais ajudaram-me a melhorar a concentração e o foco porque exigem atenção aos detalhes e uma sequência de movimentos repetitivos que acalmam a mente – o que se conhece hoje em dia como mindfulness

Além disso, esses momentos de criação funcionam como uma forma de meditação ativa, o que tem contribuído muito para reduzir o stress e melhorar a minha saúde mental. Sempre me ajudou a regular os meus sintomas de PHDA e fazer-me aparentemente ser uma adulta “funcional”, mesmo antes de ter o diagnóstico de PHDA.

🧠 NeuroImprove: Recomendaria estas atividades manuais a outras pessoas com PHDA? Que benefícios notou na sua rotina e bem-estar?

🧶 Luísa: Recomendo muito as atividades manuais para quem tem PHDA. São uma excelente forma de nos expressarmos criativamente (e, no geral, somos pessoas muito criativas!) e ajudam a acalmar a mente. 

Quando estou a trabalhar num amigurumi ou numa peça de roupa em crochet, ver a peça a crescer e ganhar forma ajuda-me a manter o foco e a querer continuar o projeto, pois consigo ver o progresso à minha frente. Além disso, tanto o tricot quanto o crochet são bastante portáteis, o que facilita ter sempre um projeto na mala e trabalhar um pouco em qualquer altura do dia.

<h2 id="conselhos">Conselhos e Inspiração para Mulheres com PHDA</h2>

🧠 NeuroImprove: Em Portugal, ainda há pouca informação e sensibilização sobre a PHDA, especialmente entre as mulheres. Sentiu falta de recursos e apoio quando foi diagnosticada? Como lida com isso?

🧶 Luísa: Sinto que, em Portugal, estamos apenas agora a começar a falar mais sobre este assunto! Quando fiz a minha pesquisa para tentar compreender o que era a PHDA, só consegui encontrar informação em inglês ou em português do Brasil. Percebi que muitos adultos diagnosticados tardiamente são mulheres, porque na infância os nossos sintomas tendem a ser diferentes dos dos homens. 

Faltou-me muito apoio para descobrir que tinha PHDA, foi uma jornada solitária. Para a sociedade, eu era 'normal'. Se eu não tivesse procurado incessantemente por respostas, provavelmente nunca teria descoberto o que tinha.

Também percebi que ainda se fala pouco sobre a ligação entre os ciclos hormonais femininos e a influência que têm na medicação, além de ainda não haver estudos suficientes sobre o impacto da gravidez e do pós-parto em mulheres com PHDA.

Acredito que é muito importante partilhar esta informação em português de Portugal. Espero que isso ajude outras pessoas, como eu, a perceber que, talvez, haja realmente algo que não está bem e que a culpa não é nossa!

🧠 NeuroImprove: Que conselho lhes daria, especialmente àquelas que tentam equilibrar a vida pessoal e profissional?

🧶 Luísa: Procurem sempre obter mais informações, e façam-no a partir de fontes credíveis. A PHDA pode manifestar-se de formas diferentes em cada pessoa, por isso, mesmo que os teus sintomas sejam diferentes dos de outras pessoas, isso não significa que não tenhas a perturbação.

Profissionalmente, acredito que trabalhar numa área que nos dá prazer e motivação, a nível pessoal e não apenas financeiro, nos ajuda a alcançar melhores resultados. Além disso, quando nos associamos a pessoas com habilidades complementares às nossas, conseguimos criar coisas incríveis e encontrar soluções onde mais ninguém vê.

<h2 id="equilibrio">Equilíbrio entre Vida Profissional e Maternidade</h2>

🧠 NeuroImprove: Como foi para si equilibrar a maternidade com o diagnóstico e o seu negócio? Encontrou alguma forma de usar este diagnóstico para se conectar melhor com a sua filha?

🧶 Luísa: Foi essencial para mim ter este diagnóstico, pois melhorou muito a minha relação com a minha filha. Passei a conseguir estar mais presente para ela, compreendê-la melhor, e agora que ela está a começar o primeiro ano da escola, consigo ver que tem traços muito parecidos com os meus (provavelmente também tem PHDA, mas ainda não tem o diagnóstico). Isso tem-me ajudado a encontrar estratégias que a ajudam a ter um melhor desempenho na escola e a criar rotinas que lhe dão a estrutura de que precisa – algo que eu senti falta muitas vezes na minha vida.

🧠 NeuroImprove: Há alguma dica que daria a outras mães, especialmente àquelas que podem estar a passar por uma situação semelhante, seja com o diagnóstico próprio ou dos filhos?

🧶 Luísa: Se sentirem que algo não está bem, não desistam de procurar respostas e de querer saber mais. Mesmo que os médicos digam 'mas você é muito inteligente' ou 'isso é coisa de crianças', não desistam. Foram muitos anos à procura do que me faltava para me sentir bem comigo mesma, e estamos sempre a tempo de mudar. Seja aos 20, 30, 60 ou 80 anos! Temos o direito e o dever de nos sentirmos bem para podermos ajudar quem está à nossa volta.

No caso das crianças, se acharem que algo não está bem com os vossos filhos, procurem descobrir o porquê, mesmo que precisem de consultar mais do que um profissional de saúde. 

Um diagnóstico precoce pode fazer uma grande diferença, evitando outras doenças associadas e impedindo que os vossos filhos sintam, como eu senti, que são inferiores aos outros.

Eles dependem muito de nós nesta fase, e se conseguirmos ajudá-los desde cedo a encontrar ferramentas para lidar com a PHDA, estarão mais preparados para um futuro brilhante, tornando-se adultos funcionais e saudáveis na sociedade.

<h2 id="futuro">Esperanças para o Futuro</h2>

🧠 NeuroImprove: Por fim, o que espera para o futuro? Como vê o crescimento da Alanja, e o seu papel como uma voz para pessoas com PHDA em Portugal?

🧶 Luísa: Gostaria que o meu projeto inspirasse outras pessoas, especialmente mulheres, a trabalharem com artesanato, a serem independentes no seu percurso profissional, a criarem peças lindíssimas e a praticarem mindfulness. Acredito que é fundamental conhecermos mais sobre a vida de pessoas com PHDA e que, mesmo enfrentando dificuldades, podemos ter uma vida plena e feliz!

Para mim, a Alanja é a manifestação da minha criatividade e das minhas ideias malucas. Se conseguir inspirar alguém a aprender a fazer crochet, a criar os seus amigurumis ou a não desistir dos seus sonhos, então o meu trabalho estará cumprido! 🙂

Agradecemos à Luísa por partilhar connosco a sua experiência autêntica e inspiradora. O seu percurso é um exemplo valioso para todos os que procuram compreender e viver melhor com a PHDA!

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